Uma criança de 7 anos em casa traz à tona mais
dúvidas e questionamentos sobre o universo e a existência do que um mestrado em
física quântica, eu imagino.
A diferença é que as questões de ciências exatas
oferecem livros, professores e formulas que guiam a busca por respostas.
Já os questionamentos dos filhos vem entre uma
garfada e outra na hora do jantar, quando menos se espera.
E foi assim que minha filha colocou em pauta a
existência do nosso cachorro:
-mãe, o Tutu é castrado, não é?
- É sim.
- Quer dizer que ele não pode ter filhos,
certo?
- Isso.
- Então quando ele morrer, nós não teremos mais
nada dele no planeta?
Silêncio.
É. O ciclo da vida resumido em 3 perguntas num
dialogo de 20 segundos.
Primeiro mudei de assunto drasticamente e pedi
para que ela terminasse de comer e tentei ganhar algum tempo para formular uma
explicação razoável.
Mas garfada após garfada vi seu rosto se
entristecer com a constatação que construiu: nosso cachorro de fato não pode
ter filhotes e um dia vai morrer.
O fim do jantar se antecipou por ela ter
preferiu agarrá-lo e aproveitar a agora constatada estadia breve do Tutu nesse
mundo.
Antes que eu conseguisse explicar a questão
mais complexa e fundamental da existência, pedi ajuda à Juliana Camargo, anja-rainha/
fundadora da Ampara e que cuida de muitos anjos de quatro patas. Além disso,
ela que trouxe o Tutu até nossa casa e desde então se tornou meu ombro amigo
para desamparos e desesperos caninos e humanos.
O que falar a uma criança que questiona a razão
da castração atrelando a este procedimento a responsabilidade pela finitude de
um amor tão grande quanto o que temos por nosso cachorro?
O nascimento e a morte de um animal guardam no
meio uma vida totalmente dedicada à lealdade e ao amor aos seus donos e é muito
sofrido pensar nessa despedida.
Eu própria fiquei abalada com a constatação da
Gloria. Na verdade por muitos dias não soube nem mesmo organizar minhas
impressões a respeito disso tudo, mas como num processo de digestão, o tempo
foi me dando elementos o bastante para conseguir explicar para ela e para mim
mesma a importância da castração e como se dá a continuidade desses seres mesmo
sem perpetuarem seus genes.
O Tutu apareceu aqui meio que caído de
paraquedas em nossas vidas. Não sabemos bem de onde veio, o que passou, como
viveu. Sabemos apenas que foi castrado ainda novo, teve um lar até os 3 anos e
sofreu um abandono traumático que culminou em nosso encontro.
Assim como ele, milhões de animais se tornam
páreas num mundo incapaz de acolhê-los. Nada que uma breve passagem pelo Google
não comprove: não há vagas em abrigos. Não há lares receptivos.
Não há a mesma sorte nossa e do Tutu para
muitos outros animais.
Não há humanos o bastante para tanto animais.
E por isso cabe a nós, humanos, minimizar os
transtornos desse quadro terrível que vemos hoje, de um número incontável de
animais morrendo atropelados, desnutridos, amarrados em beira de estrada,
jogados em córregos para que se afoguem.
A barbárie não encontra limites.
Acreditem, certas coisas precisam ser mostradas
aos filhos ainda pequenos, por mais impressionantes que sejam, para que
determinados comportamentos se extingam do planeta. Compartilhei com minha
filha tudo o que vi de maus tratos a animais de rua e perguntei: "você
acha que seria melhor para esse cachorro viver e morrer assim ou simplesmente
não ter nascido e ter permanecido estrelinha até a hora que pudesse vir a
Terra, mas para viver sendo bem tratado?"
Ah, mas não há resposta boa o suficiente para
ela: "mas mãe... Se fosse assim, o Tutu não teria nascido"
Bom, me apoiei em uma equação matemática
simples: o Tutu existe e tem um lar. Mas se ele não existisse, teríamos dado
nosso lar a outro cachorro, que poderia ser também bastante especial (ela
afirma que isso seria impossível porque ele é o mais especial do mundo).
Depois de bastante conversa, a questão de saúde
pública dos milhões –sim, MILHÕES- de animais abandonados Brasil parecia
bastante clara. É crucial que se tente por todas as frentes de apoio possíveis
dar uma vida digna aos cães e isso só é possível com controle populacional.
Além desse cenário que exige uma força-tarefa,
vale ressaltar que a castração é determinante para a saúde dos cães
domesticados.
Desafio número dois: o Tutu não deixará
continuidade de sua genética de puríssimo vira-lata amoroso?
Sabe... Isso era para mim o ponto mais difícil
de toda essa conversa porque ele de fato é o cachorro mais amoroso do universo.
Mas basta um passeio pelas ruas ou pelos abrigos para constatar que muitos e
muitos animais precisam e precisarão sempre de lar e amor. E talvez o Tutu seja
mesmo o mais genial dos cães, mas justamente por ser um vira-lata legítimo, sua
genética já é naturalmente pulverizada por aí. Portanto não, não confere a
informação de que nada dele vai sobrar no mundo quando ele se for, porque ele
na verdade está em todo canto!
Sempre poderemos achar em outros vira-latas um
pouco do sorriso otimista dele, ou de seu amor por correr na areia, quem sabe?
Nossas chances de que isso aconteça de fato existem. Já tiramos a carta
premiada uma vez, com sua chegada. Por que não tiraríamos a segunda? Tenho cá
pra mim que somos sortudas nesse assunto.
O terceiro ponto, a respeito da eventual e
inevitável morte dele num dia que esperamos estar BEM longe: minha
filha...TU-DO, tudo MESMO nesse mundo, morre. Gente, árvore, bicho, ideias,
certezas, pássaros, amores, flores... Tudo mesmo.
E sabe... Passa rápido demais o tempo que temos
para existir. E por isso devemos ser relevantes, por mais difícil que às vezes
isso pareça. Precisamos apreciar tudo que nos somam alegrias e felicidades,
sejam estes gente, árvore, bichos, ideias, certezas, pássaros, amores ou
flores. Estou a menos de um mês de completar 30 anos e pareço só agora começar
a me dar conta disso, também impulsionada por este debate.
Dizem que conselho, se fosse bom, estaria à
venda. Mas, ainda acredito que coisas relevantes também acontecem de graça,
assim como os vira-latas para adoção. E o meu conselho de mãe é para que,
independente do assunto, conversem de forma honesta com seus filhos. A
honestidade sempre gera bons frutos e poupa decepções futuras.
Pois é: nosso cachorro um dia vai mesmo morrer.
E antes disso não nos deixará filhotes. Mas boa parte do mérito por ele ser esse
bicho carinhoso e querido é da castração. Se não fosse castrado, provavelmente
não seria tão doce. E sobre seus descendentes, pense na população de vira-latas
do mundo como uma enorme família. Nunca nos faltará um a ser ajudado.
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