segunda-feira, 11 de abril de 2016

Questionamentos de uma Criança

Por Deborah Klabin






Uma criança de 7 anos em casa traz à tona mais dúvidas e questionamentos sobre o universo e a existência do que um mestrado em física quântica, eu imagino.
A diferença é que as questões de ciências exatas oferecem livros, professores e formulas que guiam a busca por respostas.
Já os questionamentos dos filhos vem entre uma garfada e outra na hora do jantar, quando menos se espera.
E foi assim que minha filha colocou em pauta a existência do nosso cachorro:
-mãe, o Tutu é castrado, não é?
- É sim.
- Quer dizer que ele não pode ter filhos, certo?
- Isso.
- Então quando ele morrer, nós não teremos mais nada dele no planeta?

Silêncio.

É. O ciclo da vida resumido em 3 perguntas num dialogo de 20 segundos.

Primeiro mudei de assunto drasticamente e pedi para que ela terminasse de comer e tentei ganhar algum tempo para formular uma explicação razoável.
Mas garfada após garfada vi seu rosto se entristecer com a constatação que construiu: nosso cachorro de fato não pode ter filhotes e um dia vai morrer.
O fim do jantar se antecipou por ela ter preferiu agarrá-lo e aproveitar a agora constatada estadia breve do Tutu nesse mundo.
Antes que eu conseguisse explicar a questão mais complexa e fundamental da existência, pedi ajuda à Juliana Camargo, anja-rainha/ fundadora da Ampara e que cuida de muitos anjos de quatro patas. Além disso, ela que trouxe o Tutu até nossa casa e desde então se tornou meu ombro amigo para desamparos e desesperos caninos e humanos.
O que falar a uma criança que questiona a razão da castração atrelando a este procedimento a responsabilidade pela finitude de um amor tão grande quanto o que temos por nosso cachorro?
Como separar cada etapa para explica-la de forma precisa?



O nascimento e a morte de um animal guardam no meio uma vida totalmente dedicada à lealdade e ao amor aos seus donos e é muito sofrido pensar nessa despedida.  
Eu própria fiquei abalada com a constatação da Gloria. Na verdade por muitos dias não soube nem mesmo organizar minhas impressões a respeito disso tudo, mas como num processo de digestão, o tempo foi me dando elementos o bastante para conseguir explicar para ela e para mim mesma a importância da castração e como se dá a continuidade desses seres mesmo sem perpetuarem seus genes.
O Tutu apareceu aqui meio que caído de paraquedas em nossas vidas. Não sabemos bem de onde veio, o que passou, como viveu. Sabemos apenas que foi castrado ainda novo, teve um lar até os 3 anos e sofreu um abandono traumático que culminou em nosso encontro.
Assim como ele, milhões de animais se tornam páreas num mundo incapaz de acolhê-los. Nada que uma breve passagem pelo Google não comprove: não há vagas em abrigos. Não há lares receptivos.
Não há a mesma sorte nossa e do Tutu para muitos outros animais. 
Não há humanos o bastante para tanto animais.
E por isso cabe a nós, humanos, minimizar os transtornos desse quadro terrível que vemos hoje, de um número incontável de animais morrendo atropelados, desnutridos, amarrados em beira de estrada, jogados em córregos para que se afoguem.
A barbárie não encontra limites.
Acreditem, certas coisas precisam ser mostradas aos filhos ainda pequenos, por mais impressionantes que sejam, para que determinados comportamentos se extingam do planeta. Compartilhei com minha filha tudo o que vi de maus tratos a animais de rua e perguntei: "você acha que seria melhor para esse cachorro viver e morrer assim ou simplesmente não ter nascido e ter permanecido estrelinha até a hora que pudesse vir a Terra, mas para viver sendo bem tratado?"
Ah, mas não há resposta boa o suficiente para ela: "mas mãe... Se fosse assim, o Tutu não teria nascido"
Bom, me apoiei em uma equação matemática simples: o Tutu existe e tem um lar. Mas se ele não existisse, teríamos dado nosso lar a outro cachorro, que poderia ser também bastante especial (ela afirma que isso seria impossível porque ele é o mais especial do mundo).
Depois de bastante conversa, a questão de saúde pública dos milhões –sim, MILHÕES- de animais abandonados Brasil parecia bastante clara. É crucial que se tente por todas as frentes de apoio possíveis dar uma vida digna aos cães e isso só é possível com controle populacional.
Além desse cenário que exige uma força-tarefa, vale ressaltar que a castração é determinante para a saúde dos cães domesticados.
Desafio número dois: o Tutu não deixará continuidade de sua genética de puríssimo vira-lata amoroso?



Sabe... Isso era para mim o ponto mais difícil de toda essa conversa porque ele de fato é o cachorro mais amoroso do universo. Mas basta um passeio pelas ruas ou pelos abrigos para constatar que muitos e muitos animais precisam e precisarão sempre de lar e amor. E talvez o Tutu seja mesmo o mais genial dos cães, mas justamente por ser um vira-lata legítimo, sua genética já é naturalmente pulverizada por aí. Portanto não, não confere a informação de que nada dele vai sobrar no mundo quando ele se for, porque ele na verdade está em todo canto!
Sempre poderemos achar em outros vira-latas um pouco do sorriso otimista dele, ou de seu amor por correr na areia, quem sabe? Nossas chances de que isso aconteça de fato existem. Já tiramos a carta premiada uma vez, com sua chegada. Por que não tiraríamos a segunda? Tenho cá pra mim que somos sortudas nesse assunto.
O terceiro ponto, a respeito da eventual e inevitável morte dele num dia que esperamos estar BEM longe: minha filha...TU-DO, tudo MESMO nesse mundo, morre. Gente, árvore, bicho, ideias, certezas, pássaros, amores, flores... Tudo mesmo.
E sabe... Passa rápido demais o tempo que temos para existir. E por isso devemos ser relevantes, por mais difícil que às vezes isso pareça. Precisamos apreciar tudo que nos somam alegrias e felicidades, sejam estes gente, árvore, bichos, ideias, certezas, pássaros, amores ou flores. Estou a menos de um mês de completar 30 anos e pareço só agora começar a me dar conta disso, também impulsionada por este debate.
Dizem que conselho, se fosse bom, estaria à venda. Mas, ainda acredito que coisas relevantes também acontecem de graça, assim como os vira-latas para adoção. E o meu conselho de mãe é para que, independente do assunto, conversem de forma honesta com seus filhos. A honestidade sempre gera bons frutos e poupa decepções futuras.

Pois é: nosso cachorro um dia vai mesmo morrer. E antes disso não nos deixará filhotes. Mas boa parte do mérito por ele ser esse bicho carinhoso e querido é da castração. Se não fosse castrado, provavelmente não seria tão doce. E sobre seus descendentes, pense na população de vira-latas do mundo como uma enorme família. Nunca nos faltará um a ser ajudado.  



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